sábado, 6 de novembro de 2010

Meus novos santos

- Sozinha e sem saber ao certo onde estava pisando, fui me aproximando da igreja, procurando informações. Minha pouca experiência como repórter contribuía, a cada passo que eu dava, para que eu sentisse medo do que estava por vir. Os fiéis iam chegando aos montes. Fui buscando informações, procurando as fontes para cumprir minha pauta. Conversei com o prior e com uma integrante da Ordem.
Aos poucos, a ansiedade me tomava e o atraso do início da missa ia se aproximando. Às 9h40, uns poucos fogos me assustaram e alertaram que a minha curiosidade seria sanada em alguns instantes. Uma voz começou e o resto da igreja acompanhou cantando "quando Jesus passar, eu quero estar no meu lugar..." 
Enfim, às 10h, uma alvorada de fogos anunciava a missa em comemoração aos 325 anos da Irmandade de Nossa Senhora do Rosário dos Homens Pretos. O clima de fé já era incrível àquele instante, mas eu não imaginava que o mais emocionante ainda estava por vir. Foi quando alguns dos 450 irmãos se organizaram para entrar. A roupa preta e branca, deixava claro a marca da singularidade do Rosário dos Pretos.
Me senti em casa quando ouvi os versos conhecidos de uma canção: "Maria, cheia de graça e consolo, venha caminhar com seu povo". O que foi espantoso e encantador foi o ritmo que a música foi se encaixando a cada metro que a irmandade se aproximava do altar. O som dos atabaques e pandeiros despertou um sentimento de revigoramento em mim.
Entre as fontes que entrevistei, a história do irmão José Carlos me tocou. José lamentava que a comemoração estivesse sendo realizada na Igreja de Nossa Senhora do Carmo, no Pelourinho, em virtude da reforma da igreja matriz.“É uma pena que a comemoração não seja na nossa matriz. Ela é o símbolo de nossa resistência. Conseguiu continuar erguida e vamos em frente com a nossa bandeira”, Ele faz parte da Ordem há 13 anos e contou que frequentava a Igreja de São Francisco, mas quando entrou na Rosário dos Pretos uma força maior não o deixou mais sair. “Eu gostei de lá e não sai mais”.
A Igreja foi construída em 1625 por africanos oriundos da Angola e do Congo.“Ela é a grande padroeira dos negros, são 325 anos de resistência, é muita fé”, descreveu o prior Júlio César Soares, que faz parte da congregação há 20 anos. Segundo o prior, o Brasil é o segundo País mais devoto de Nossa Senhora do Rosário.
Durante a missa, pude acompanhar um pouco da história da Irmandade, e vi os devotos reverenciaram também à Santa Bárbara, São Benedito de Paria e Santo Antônio Categeró. A emoção na festa, não era só minha, claro. A devota Nilda Santana, que faz parte da Ordem de Santo Antônio há mais de 15 anos e me falou emocionada sobre a importância do Rosário na sua vida. “Só de falar do Rosário, fico emocionada. Ela é muito importante, me dá muita alegria e já me concedeu muitas graças”, conta.
A animação do povo fiel a sua Mãe Senhora me fez perceber que a fé não precisa de seriedade. É possível ter muita fé e cantar com alegria ao seu Deus, aos seus santos. Para mim, o pouco tempo que passei ali foi suficiente para compreender que a vontade de libertação é o que basta para se conseguir passar por qualquer obstáculo e ir em frente. Eu vi o que é ter ciência da importância da nossa história, e como isso é preservado em muitos lugares. Viva à memória do povo!
Infelizmente, em virtude de força maior, não pude acompanhar a procissão que seguiu pelas ruas do Centro Histórico e formaram um rosário vivo no Largo do Pelourinho. Para a programação do dia seguinte, estava planejada a “Missa dos Antepassados”, em homenagem aos membros da irmandade que já faleceram. E após a celebração, seria distribuído o tradicional bacalhau com toucinho aos convidados, que remonta à revolta dos Malês em 1835, quando a Irmandade precisava provar que não acobertava os malês, muçulmanos que não comiam porco.
Depois de quase duas horas na igreja me senti renovada. Uma energia boa circulava pelo meu corpo. E até hoje tem sido assim... Me encontrei, me senti em casa e muito feliz por sentir que de algum jeito eu  também era tudo aquilo ali. Começo a respirar novos ares, a ver com novos olhares e sentir com outras emoções. Sigo agora com mais fé e sinto saudade dos dias em que eu tinha a Igreja sempre.

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