terça-feira, 30 de novembro de 2010

Cheiro de erva doce

O cheiro de erva doce me lembra os finais de tarde das minhas férias de um tempo atrás. Agora ele voltou e me traz felicidade e leveza. Os dias de Sol me deixam feliz também, ainda que eu não possa estar na praia todos os dias, como era minha vontade. Os ares estão novos, com cheiro de animação. É que ele vem chegando, me transformando, me dando vigor.
Lá vem o verão. E eu quero ele venha logo, chegue logo, me bronzeie logo (urgente!). Não, não é uma alegria superficial ou inventada como aquelas que aparecem  nas propagandas que promovem o estado (na TV), onde todo mundo fica dançando no meio da rua, sem motivo aparente. É uma energia que vai me consumindo (mesmo que pareça paradoxal), me animando de um jeito inexplicável. É o meu sorriso alegre no rosto ao acordar e ver o céu azul. É a minha cara aborrecida por ficar em casa em algum dia de Sol. É a minha ânsia por sorvete, água e cores. É a minha preguiça de sair da brisa. Vontade de ouvir música boa (na minha concepção, mpb) e uma pitada de axé. A vontade repentina de comer acarajé. Vontade de me encaixar perfeitamente no estereótipo da baianidade, porque nós somos isso também. Vale ressaltar o "também" e excluir o "apenas", nessa situação.

 

quinta-feira, 25 de novembro de 2010

Repetidas

Achei que seria coerente com o momento que estamos vendo na televisão, ao vivo, a todo instante no Rio de Janeiro. Palavras repetidas de violência, ódio, brigas e falta de humanidade. E não é só no Rio, aqui, em Salvador também. Os traficantes aterrorizam lá e aqui a polícia mata Joel, que sonhava em ser capoeirista. Aqui, monstros decapitam adolescentes. Lá, tanques de guerra entram nas favelas. Aqui jovens levam armas para as escolas.
Agora os olhos brasileiros se voltam ao Rio, enquanto as soluções de outros crimes vão sendo esquecidas e adiadas na justiça. Há, então solução para o que está acontecendo? Tem como parar com a violência seja ela em que caráter for, se não há julgamento? Se a impunidade impera nesse país? Enquanto isso vamos vivendo na ilusão, vamos nos esquecendo de nós mesmos, de nossos direitos humanos. Vamos viver numa realidade imaginária que ainda sonha com a Copa de 2014.

sábado, 20 de novembro de 2010

Anseios

- Quero comer um hambúrguer
Quero ir pro cinema
Quero ir pra praia
Quero comer brigadeiro de panela
Quero ficar ouvindo música boa
Quero ter companhia pra fazer isso
Mas parece que eu sou muito antiquada pra minha geração
Ou muito nova pras gerações mais velhas
Eu não estou em clima de badalações
Mas quero conhecer novas pessoas
Quero respirar e sentir cheiro de vida
E não de estresse
Quero parar de espirrar e de tossir
Quero que minhas espinhas sumam
Quero conseguir marcar minhas aulas da auto escola
Quero juntar meu dinheiro para fazer minha cirurgia dos olhos
Quero comprar um óculos escuro
Quero comprar um relógio
Quero ser inteligente
Quero conseguir terminar os livros que estou lendo há três meses
Quero deixar de ser certinha e fazer revoluções

Agora, depois do querer, basta começar a fazer.

segunda-feira, 15 de novembro de 2010

Kant

– "Assim devem, sem dúvida, ser compreendidos também os passos da Escritura, onde se ordena amar o próximo e ate os inimigos. Com efeito, o amor, como inclinação, não pode ser comandado; mas praticar o bem por dever, quando ne­nhuma inclinação a isso nos incita, ou quando uma aversão natural e invencível se opõe, eis um amor prático e não pato­lógico, que reside na vontade, e não na tendência da sensibilidade, nos princípios da ação, e não numa compaixão emoliente. Ora, é este único amor que pode ser comandado."

sábado, 13 de novembro de 2010

Metade foi tu que me deu

– Acordei hoje procurando palavras para lhe dizer, para fazer a homenagem devida. Mas ainda não encontrei algo que fosse mais claro do que "te amo". Meus pensamentos estão confusos, complicados e cheios de lembranças. Eu escolhi não lembrar das lágrimas de um ano atrás. Escolhi não lembrar do meu último adeus (provisório), dos olhos piedosos de todos que foram à sua despedida. Procurei lembrar do seu último sorriso, das suas últimas palavras felizes e tão lúcidas. "Vai assistir o jogo, vó? Vou sim, eu tô assistindo". Linda.
O jogo, o que era o futebol em sua vida, hein, Maria? Seu Bahia! Eu, que sempre fui Vitória (sabe Deus lá porque), nunca desrespeitei seu time, muito por ter você como torcedora. Lembro que no último jogo que teve enquanto ainda estava aqui, minha irmã lhe falou que ele havia ganhado e você ficou feliz. Hoje, ele está para subir para a Série A, acho que você deve estar acompanhando, em qualquer lugar que esteja. Aliás, eu tenho certeza disso. Linda.
Essa semana eu estava lembrando dos seus pés. Antes de dormir, estava cobrindo meus pés – coisa que eu quase nunca faço –  e lembrei das cócegas, era só tocar nos seus, que você ria, se transformava e dizia "para, menina!" rindo ainda. Linda.
Hoje é um dia inexplicável. Decidi não chorar e tentar sofrer menos, é quase impossível, mas estou quase conseguindo. Sinto a tristeza no ar, nos olhares, na conversa saudosista de minha tia. No aborrecimento repentino e sem motivos de minha vó, na minha acidez ao falar. É tudo um disfarce (dos piores) para enganar o sentimento.
Esta tarde, vendo o reflexo do céu azul nas minhas pernas quase transparentes lembrei das tardes quentes no quintal e do calor aliviado nos momentos em que estive ao seu lado na janela "para olhar o movimento da rua". Percebi o quanto eu fui crescendo ali: quando não alcançava a janela e meu queixo batia no mármore, quando meus braços se apoiavam na altura perfeita. E, quando, finalmente precisava me encurvar nela para desfrutar de sua companhia me contando das pessoas que subiam e desciam a ladeira, pedindo a sua bênção. "Essa é a mais nova de Eliane, é Mandinha", dizia aos que passavam por ali. Linda. Para mim ela continua ali, na janela vendo todo mundo passar. E eu no quintal aproveitando a curva que o vento faz ao passar.
E o nosso amor continua. De tudo que eu sei, mais da metade veio de você. Que passou para minha vó, que passou para minha mãe que passou para mim. Algumas outras vieram diretamente de você, de suas mãos, de suas comidas maravilhosas, de seus olhares, conselhos. Enfim, de seu cuidado na nossa infância, no nosso crescimento. No crescimento de todos nós que viemos de você e dos que não vieram também e foram se agregando à família. Mãe nata de coração grande, nunca soube de recusas de sua parte. É eterna para mim, vive intensa em meu coração e acesa na minha fé. Linda.
Existem milhões de palavras e sentimentos de lembranças para descrever, mas nada que eu diga aqui chegará perto do que eu estou realmente sentindo. Então, eu me calo e rezo. Esteja bem minha linda, eu sei que está nos abençoando, nos olhando e protegendo. Eu te amo e isso é o que eu espero que você nunca esqueça quando voltar.

sábado, 6 de novembro de 2010

Meus novos santos

- Sozinha e sem saber ao certo onde estava pisando, fui me aproximando da igreja, procurando informações. Minha pouca experiência como repórter contribuía, a cada passo que eu dava, para que eu sentisse medo do que estava por vir. Os fiéis iam chegando aos montes. Fui buscando informações, procurando as fontes para cumprir minha pauta. Conversei com o prior e com uma integrante da Ordem.
Aos poucos, a ansiedade me tomava e o atraso do início da missa ia se aproximando. Às 9h40, uns poucos fogos me assustaram e alertaram que a minha curiosidade seria sanada em alguns instantes. Uma voz começou e o resto da igreja acompanhou cantando "quando Jesus passar, eu quero estar no meu lugar..." 
Enfim, às 10h, uma alvorada de fogos anunciava a missa em comemoração aos 325 anos da Irmandade de Nossa Senhora do Rosário dos Homens Pretos. O clima de fé já era incrível àquele instante, mas eu não imaginava que o mais emocionante ainda estava por vir. Foi quando alguns dos 450 irmãos se organizaram para entrar. A roupa preta e branca, deixava claro a marca da singularidade do Rosário dos Pretos.
Me senti em casa quando ouvi os versos conhecidos de uma canção: "Maria, cheia de graça e consolo, venha caminhar com seu povo". O que foi espantoso e encantador foi o ritmo que a música foi se encaixando a cada metro que a irmandade se aproximava do altar. O som dos atabaques e pandeiros despertou um sentimento de revigoramento em mim.
Entre as fontes que entrevistei, a história do irmão José Carlos me tocou. José lamentava que a comemoração estivesse sendo realizada na Igreja de Nossa Senhora do Carmo, no Pelourinho, em virtude da reforma da igreja matriz.“É uma pena que a comemoração não seja na nossa matriz. Ela é o símbolo de nossa resistência. Conseguiu continuar erguida e vamos em frente com a nossa bandeira”, Ele faz parte da Ordem há 13 anos e contou que frequentava a Igreja de São Francisco, mas quando entrou na Rosário dos Pretos uma força maior não o deixou mais sair. “Eu gostei de lá e não sai mais”.
A Igreja foi construída em 1625 por africanos oriundos da Angola e do Congo.“Ela é a grande padroeira dos negros, são 325 anos de resistência, é muita fé”, descreveu o prior Júlio César Soares, que faz parte da congregação há 20 anos. Segundo o prior, o Brasil é o segundo País mais devoto de Nossa Senhora do Rosário.
Durante a missa, pude acompanhar um pouco da história da Irmandade, e vi os devotos reverenciaram também à Santa Bárbara, São Benedito de Paria e Santo Antônio Categeró. A emoção na festa, não era só minha, claro. A devota Nilda Santana, que faz parte da Ordem de Santo Antônio há mais de 15 anos e me falou emocionada sobre a importância do Rosário na sua vida. “Só de falar do Rosário, fico emocionada. Ela é muito importante, me dá muita alegria e já me concedeu muitas graças”, conta.
A animação do povo fiel a sua Mãe Senhora me fez perceber que a fé não precisa de seriedade. É possível ter muita fé e cantar com alegria ao seu Deus, aos seus santos. Para mim, o pouco tempo que passei ali foi suficiente para compreender que a vontade de libertação é o que basta para se conseguir passar por qualquer obstáculo e ir em frente. Eu vi o que é ter ciência da importância da nossa história, e como isso é preservado em muitos lugares. Viva à memória do povo!
Infelizmente, em virtude de força maior, não pude acompanhar a procissão que seguiu pelas ruas do Centro Histórico e formaram um rosário vivo no Largo do Pelourinho. Para a programação do dia seguinte, estava planejada a “Missa dos Antepassados”, em homenagem aos membros da irmandade que já faleceram. E após a celebração, seria distribuído o tradicional bacalhau com toucinho aos convidados, que remonta à revolta dos Malês em 1835, quando a Irmandade precisava provar que não acobertava os malês, muçulmanos que não comiam porco.
Depois de quase duas horas na igreja me senti renovada. Uma energia boa circulava pelo meu corpo. E até hoje tem sido assim... Me encontrei, me senti em casa e muito feliz por sentir que de algum jeito eu  também era tudo aquilo ali. Começo a respirar novos ares, a ver com novos olhares e sentir com outras emoções. Sigo agora com mais fé e sinto saudade dos dias em que eu tinha a Igreja sempre.