quarta-feira, 1 de setembro de 2010

Não sou índio, quero minhas barracas de volta!

- Era manhã de outono quando os nossos futuros colonizadores chegaram à terra "desconhecida". Preconceituosamente falando, começava a nossa era de coisas ruins, nossa colonização de exploração, desbravando terra a dentro, sem dó, nem piedade. Depois de anos de sofrimento, e misturas culturais, viramos o Brasil. Cada canto com sua peculiaridade. Esta semana, 510 anos depois, senti como se tivéssemos regredido ao ano de 1500. Mais de 100 barracas de praia foram derrubadas, repetindo, sem dó, nem piedade, um cenário assustador do descobrimento.
Os meios de comunicação mostraram cada detalhe sórdido e triste da situação. Cada madeira indo ao chão, cada lágrima dos barraqueiros e suas famílias. Ninguém fez nada além disso. Nada além de assistir aos tratores derrubando anos de trabalho e suor das famílias que tinham nas barracas sua única forma de sustento. Os escombros da vez foram as barracas as consideradas de elite, talvez por isso a repercussão tenha sido maior. Outras já haviam sido destruídas no início deste ano e a espetacularização foi menor.
A determinação, dada pela Justiça Federal, poderia ter sido evitada pelo governo do estado ou pela prefeitura. Nem um dos dois se manifestou. João Henrique perdeu a oportunidade de virar o "Pai dos Barraqueiros", e se não fosse evangélico, viraria até santo. Tudo isso porque foi ameaçado, pelo juiz Carlos D'Ávila, de ser preso. Interesses em evidência recuou com o pedido de suspensão da demolição e perdeu a chance de virar Jesus, que morreu para salvar seu povo. No caso, ele teria sido preso e salvaria o povo, ou ao menos, teria tentado, mesmo que não desse certo. Pois bem, ele não o fez, não se "crucificou" por si próprio, e agora é o povo que está fazendo isso, culpando explicitamente por todos aqueles que agora não tem para onde ir.
Voltando à relação das barracas com os portugueses - de maneira preconceituosa - quando eu vi os tratores chegando ao destino desejado, relacionei com as caravelas chegando ao litoral nordestino. A diferença é que os índios tentaram resistir, fugiam do trabalho forçado e foram iludidos com alguns presentinhos. Já os barraqueiros não podiam fugir, e o máximo de resistência que conseguiram foi se amarrarem aos seus equipamentos ou jogarem álcool pelo corpo, ameaçando cometerem um auto-incêndio. Nós, consumidores das barracas, não  resistimos. Somente após a derrubada, é que algumas pessoas se manifestaram, em comentários virtuais, mas não passou disso.
No contexto em que estamos, o presentinho ilusório foi a implosão da Fonte Nova. Uma semana de contagem regressiva, para distrair a mente do povo e esquecer os barraqueiros. Foram sete dias relembrando histórias que marcaram o estádio, jogos, confusões, vitórias e derrotas. Alguém lembrou que tinham centenas de famílias sem emprego, correndo risco de morrer de fome? Não! Todos os olhares se voltaram para os 700 quilos de explosivos que detonariam a Fonte. E foi um grande espetáculo transmitido ao vivo pela televisão, internet, e não duvido que pelo rádio também. Mas os barraqueiros continuam passando por necessidade, acredite!
Então, vendo a nossa cultura de ir para as barracas nas praias, e não para a praia em si, sendo destruída, nã o tem como se desvencilhar do processo de imposição cultural que sofremos há 500 anos. Nos acostumamos a ser uma coisa, e agora, teremos que ser outra novamente? A diferença é que eu não sou índio e tenho quase certeza de que não vou me adaptar tão facilmente a essa nova realidade, porque eu sei que sou egoísta o suficiente para pensar que nunca mais eu poderei tomar um Sol tranquilamente, esquecendo que pior do que continuar branquela, é não ter como sobreviver. Sendo egoísta ou não, uma coisa é certa: eu quero as barracas de volta!

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